Novo álbum da artista abre os caminhos para uma fase mais madura e consciente de si mesma
O projeto conta com as participações de Criolo, Don L, Major RD e Giovani Cidreira
Pré-save álbum: CARRANCA
Capa do álbum digital – crédito Isaac de Souza Sales
CARRANCA é uma figura grotesca, geralmente esculpida em madeira, com feições humanas ou animalescas, utilizada como ornamento ou proteção em embarcações, construções ou portões. Usada para afastar maus espíritos, a carranca também tem simbologia nas religiões de matriz africana e está ligada a Exu, orixá considerado a espinha dorsal das civilizações da África negra, o mensageiro entre o mundo material e o espiritual, associado à dinâmica dos movimentos e à criação de possibilidades. CARRANCA dá nome ao novo álbum da cantora e compositora Urias, iniciando uma nova fase de sua carreira, com composições cheias de representações e significados religiosos, de resistência e de brasilidade.
A capa do álbum digital foi criada pelo artista plástico Isaac de Souza Sales (São Paulo, 2001). Isaac começou a desenvolver sua prática artística através da dança, desdobrando, então, sua pesquisa para a pintura e o desenho. A base de sua investigação está no Afro-surrealismo, absorvendo desta forma a pluralidade da diáspora africana. Conhecendo através da prática, seus dogmas e formas de manifestações da cultura preta como a música, cinema, literatura e da história oral. O artista procura na ancestralidade respostas para os questionamentos sobre o futuro, buscando em deuses antigos novos rostos, criando, assim, novas referências, utópicas e distópicas e trazendo soluções para o hoje.
A obra é composta por 14 músicas, incluindo três interlúdios, na voz de Marcinha do Corintho, que guiam os ouvintes nessa embarcação e falam sobre liberdade, revolta e a potência do amor. Na introdução, a narrativa fala sobre uma liberdade que foi vendida, mas na verdade é uma liberdade falsa. Há uma metáfora na frase: “a liberdade está dentro de uma casa na qual eu não posso entrar, um lugar ao qual eu não tenho acesso.”
No segundo interlúdio, o tema se desenvolve e se aprofunda na ideia da vingança como caminho possível para essa liberdade, é o momento da raiva, de revoltar. O ato de encerramento costura toda a história. Ele apresenta o caminho de volta para a Etiópia, fazendo uma conclusão simbólica para tudo o que foi discutido ao longo do álbum. Um retorno à origem, à Mãe Terra, ao lugar onde a liberdade é plena e verdadeira.
“Esses interlúdios se conectam diretamente com o tema central do disco. Eles funcionam como pontos de respiração e reflexão, mas também como guias para entender a narrativa maior da obra”, explica Urias.
Toda a riqueza musical do projeto, que está detalhada faixa a faixa abaixo, vem somada aos visuais da diretora criativa Ode, seguindo uma narrativa afro-surrealista que permeia diferentes épocas e lugares, fazendo alusões tanto a corpos terrenos, como Josephine Baker e Sarah ‘Saartjie’ Baartman, quanto a orixás e deuses como Oxalá, Iemanjá, Iansã, Hórus e Ptah. “Eu chamo isso de transcorporeidade”, conta Ode. “O filme é um exemplo de como trabalhar com materiais culturais sobre deuses e ancestrais também pode reproduzi-los de forma significativa, e que a autorrepresentação pode ser um caminho para a libertação das noções eurocêntricas e ocidentais de identidade.”
Das 14 músicas, o disco conta com quatro feats, dos quais participam: Criolo (Deus), Giovani Cidreira (Herança), Major RD (Voz Do Brasil) e Don L (Paciência).
Faixa a Faixa
Deus: “Deus”, feita em parceria com o Criolo, ressignifica a música “Soca Pilão”, um tema folclórico cantado por Inezita Barroso, com arranjos de José Prates, lançado em 1954. José Prates foi um dos primeiros músicos no Brasil a incorporar elementos da macumba à música popular. Ele está muito bem representado nesse álbum, e sua presença é um bom ponto de partida para entender o disco como um todo. O sincretismo e a sobreposição de significados aparecem em várias camadas ao longo do disco, trazendo essa referência. O que está sendo resgatado é a origem, é um tema folclórico que vem dos escravizados no Brasil.
A letra fala sobre um período da história em que, para que a colonização acontecesse, foi necessário o apagamento religioso dos povos africanos. O verso “Levaram Deus”, é justamente sobre isso, estou falando desse Deus que foi tirado dos povos da África e apagado da memória, quando fomos trazidos pro Brasil, e por isso eu falo “eu não amo nunca mais”, eu não amo mais nada porque tiraram a minha religião.
É uma expressão de raiva diante da colonização e uma busca por liberdade. O álbum, como um todo, fala sobre isso: a busca pela liberdade através da vingança.
Vontade de Voar: “Vontade de Voar” é uma faixa sampleada do Ednardo, um artista incrível e uma grande referência pra gente. O arranjo ficou belíssimo, e a produção foi assinada pelo Nave e pelo Gorky.
Na letra, a gente dá um destaque especial para a ideia do caminhar constante em busca de algo, como uma espécie de ascensão. Mas o ponto é que, mesmo quando a gente chega lá, parece que ainda não chegou de verdade. Isso fala muito sobre a experiência de quem é racializado. Quando você consegue ganhar o jogo, eles mudam as regras. Então, a música fala também sobre resistência, sobre continuar sonhando, apesar de tudo. “Ainda não perdi a vontade de voar” é uma frase que resume isso muito bem. Porque mesmo com as portas que a gente abre, com tudo que já foi transformado, ainda existe uma estrutura cruel que insiste em nos limitar. E a música dialoga diretamente com essa sensação de dor, mas também de potência e esperança.
Quando a Fonte secar: “Quando a fonte secar” fala sobre a influência cultural de pessoas pretas. Não só dentro da indústria, mas na sociedade como um todo. E eu destaco que, quando a fonte secar, todo mundo vai saber. Quando a gente parar de fazer as coisas, quando a gente parar de fazer música, quando a gente parar de fazer comida, quando a gente parar de fazer filme, quando a gente parar de fazer roupa, quando a gente parar de fazer arte, isso vai ser notado. A produção da faixa é do Maffalda, que já produziu muita coisa com a gente e tem uma caminhada importante nessa história, e do Gorky.
Navegar: “Navegar” fala sobre liberdade. Ela foi inspirada numa fase da minha vida em que eu estava refletindo sobre as liberdades que passei a ter, depois de tudo o que eu vinha vivendo. E isso me fez pensar na possibilidade de criar uma família. A música é sobre possibilidades bonitas que a liberdade proporciona. Essa faixa representa, pra mim, um momento de tranquilidade. Não que seja uma vida 100%, mas está “de boas”.
E aí, vem a ideia de filhos, de família. Liberdade acaba sendo um tema recorrente no disco, mas é importante dizer: não é uma liberdade qualquer. Não é sobre uma liberdade pacífica. É sobre uma liberdade conquistada através da vingança. Isso é muito importante dizer.
A produção de Navegar é do Nave e do Gorky. E eu meio que fui “navegando” mesmo por esses temas. Foi um processo muito colaborativo, mas também muito meu.
Águas de um Mar Azul: “Águas do Mar Azul” é uma faixa muito especial dentro do disco, foi a música que nos guiou para esse projeto. Quando você fecha os olhos e pensa no disco, vem à mente uma imagem de mar, de azul, de água, uma visão quase idílica.
A música é do cantor e compositor Hyldon, da época do segundo disco dele, “Deus, a Natureza e a Música”, mas nunca foi lançada. A faixa acabou se perdendo no tempo e ficou esquecida por aí. Quase 50 anos depois, a gente reencontra essa canção e vai atrás dele. Perguntamos se poderíamos gravá-la, e foi uma surpresa pra ele. A reação foi algo como: “Como é que vocês conhecem isso?”. E a gente respondeu: “Ah, temos os nossos jeitinhos…”.
O resultado é essa música inédita do Hyldon, composta há meio século, agora sendo gravada e lançada pela primeira vez. Uma verdadeira joia da música brasileira resgatada para o público.
Vénus Noir: Essa música fala sobre a relação com a fama, essa noção de que a fama não é um ponto de chegada, mas também não é exatamente o caminho. Ela mais aprisiona do que liberta, especialmente quando a gente pensa nessa experiência a partir do olhar de uma pessoa racializada.
Paciência: Nessa música, eu falo sobre o jogo de estar dentro da indústria musical brasileira. É sobre o jogo de cintura que você precisa ter, os sapos que precisa engolir. E é, também, um pedido de paciência a Deus. Porque, muitas vezes, você vê pessoas com trabalhos muito menos densos ganhando notoriedade por coisas que você já fez, há muito tempo, e sendo chamadas de gênios por isso.É uma crítica direta à indústria e um desabafo.
Herança: É a faixa do disco que mais destaca essa dimensão da vingança, a herança que nos deixaram, enquanto povo, e a herança que queremos deixar para frente.
O refrão questiona qual herança realmente importa: se é a do dinheiro sujo de sangue ou se é a herança de quem vai permanecer na história. E traz esse paralelo bonito e dolorido de que as estrelas só brilham depois de mortas. Quem vai ser lembrado no futuro? De quem as pessoas vão falar quando disserem que as coisas mudaram?
Acho que é a música que mais traduz esse sentimento de vingança. A faixa foi composta com Giovanni Cidreira, que está presente em boa parte do álbum.
Etiópia: “Etiópia” é a música que traz uma solução para todos os problemas apresentados ao longo do álbum. Ela fecha esse ciclo com a ideia de encontrar liberdade, no sentido de encontrar alguém, de encontrar um amor. E tudo isso dentro de uma perspectiva afrocentrada. Etiópia é o lugar onde os seres humanos surgiram. Então, num certo momento, todos pertenciam à mesma etnia. Não existia raça, não existia cor. Todo mundo era preto e, por isso, ninguém era preto.
Encontrar o amor, aqui, é como voltar à Etiópia. É voltar à Mãe Terra. É retornar a um lugar onde esses problemas, apresentados ao longo do disco, como a colonização e todas as suas consequências, simplesmente não existem.
Se Eu Fosse Você: É uma música que exala um sex appeal. Acho que ela exala o sexo. Simples assim. Uma música sensual, cheia de sugestão. Se Eu Fosse Você, eu vinha aqui e a gente resolvia.
Voz do Brasil: “Voz do Brasil”, é como um sample de O Guarani, ópera de Carlos Gomes, tradicional música de abertura do programa “A Voz do Brasil”. Essa música funciona como uma crítica à forma como o Brasil é visto, tanto por quem está fora quanto por quem está dentro. Fala sobre como o país é vendido lá fora, e como a gente aqui dentro também consome essa ideia filtrada do Brasil.
Na música, tem um coro que repete: “Eu também quero ir pro Brasil, eu também quero ir pro Brasil”. E esse Brasil é aquele do carnaval, do futebol, da caipirinha. Só que quem vive aqui não encontra esse Brasil o tempo todo, então a música questiona isso. Ao longo da faixa, tem essa repetição: “eu vos apresento a voz do Brasil”. E aí vem o questionamento: quem é essa voz do Brasil? A música levanta essa crítica, provocando essa reflexão sobre identidade, representação e ilusão.
Interlúdios: Os interlúdios do álbum serão narrados por Marcinha do Corintho. Eles giram em torno da busca pela liberdade, um dos grandes temas do disco. Foram escritos pelo Francês Guillaume Blanc-Marianne, historiador da arte e especialista em história da fotografia. Doutor pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, foi pesquisador na Bibliothèque nationale de France e no Institut national d’histoire de l’art. É secretário-geral da Société française de photographie e pesquisador no DFK-Paris.
Ficha Técnica
01
TÍTULO:Liberdade (Intro)INTÉRPRETE:Urias, Marcinha do CorinthoAUTORES:Guillaume Blanc-Marianne, MaffaldaMÚSICOS:Maffalda (sintetizadores)PRODUÇÃO:MaffaldaMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
02
TÍTULO:DeusINTÉRPRETES:Urias, CrioloAUTORES:Urias, Criolo, Nave, Gorky, Giovani CidreiraMÚSICOS:Fejuca (Violão)PRODUÇÃO:Nave e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
03
TÍTULO:Quando A Fonte SecarINTÉRPRETES:UriasAUTORES:Urias, Maffalda, Giovani Cidreira, Gorky, Number TeddieMÚSICOS:Will Bone (Saxofone), Diego Timbó (backings)PRODUÇÃO:Maffalda e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
04
TÍTULO:Venus NoirINTÉRPRETES:UriasAUTORES:Urias, Paulo DKVPZ, Gorky, Number Teddie, Mackson KennedyMÚSICOS:Mackson Kennedy (guitarra e baixo) e Gorky (escaleta)PRODUÇÃO:Paulo DKVPZ, Mackson Kennedy e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
05
TÍTULO:Vontade de VoarINTÉRPRETES:UriasAUTORES:Urias, Nave, Gorky, Giovani Cidreira, Ednardo, Tânia CabralPRODUÇÃO:Nave e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
06
TÍTULO:Oração (Interdúdio)INTÉRPRETES:Urias, Marcinha do CorinthoAUTORES:Guillaume Blanc-Marianne, MaffaldaMÚSICOS:Maffalda (sintetizadores)PRODUÇÃO:MaffaldaMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
07
TÍTULO:EtiópiaINTÉRPRETES:UriasAUTORES:Urias, Maffalda, Gorky, Kika Boom, Number TeddieMÚSICOS:Maffalda (teclado)PRODUÇÃO:Maffalda e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
08
TÍTULO:Águas De Um Mar AzulINTÉRPRETES:UriasAUTORES:Hyldon, FábioMÚSICOS:Will Bone (Metais e Cordas) / Zebu (Guitarra)PRODUÇÃO:Zebu e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
09
TÍTULO:NavegarINTÉRPRETES:UriasAUTORES:Urias, Nave, Gorky, Giovani Cidreira, Alice Caymmi, Number TeddiePRODUÇÃO:Nave e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
10
TÍTULO:Se Eu Fosse VocêINTÉRPRETES:UriasAUTORES:Urias, Maffalda, Gorky, Number Teddie, Kika BoomMÚSICOS:Gorky (backings)PRODUÇÃO:Maffalda e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
11
TÍTULO:HerançaINTÉRPRETES:Urias, Giovani CidreiraAUTORES:Urias, Maffalda, Gorky, Number Teddie, Giovani CidreiraPRODUÇÃO:Maffalda e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
12
TÍTULO:PaciênciaINTÉRPRETES:Urias, Don LAUTORES:Urias, Nave, Gorky, Kika Boom, Number Teddie, Don LPRODUÇÃO:Nave e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
13
TÍTULO:Oração (Interdúdio)INTÉRPRETES:Urias, Marcinha do CorinthoAUTORES:Guillaume Blanc-Marianne, MaffaldaMÚSICOS:Maffalda (sintetizadores)PRODUÇÃO:MaffaldaMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
14
TÍTULO:Voz do BrasilINTÉRPRETES:Urias, Major RDAUTORES:Urias, Maffalda, Gorky, Kika Boom Number Teddie, Hodari, Giovani Cidreira, Major RDPRODUÇÃO:Maffalda e GorkyMIX:Rafael FadulMASTER:Arthur Luna |
Sobre a Urias
Nascida e criada em Uberlândia, Minas Gerais, Urias começou a desenvolver seu lado artístico na infância. Através da dança e do teatro, apaixonou-se pela moda e sonhou com uma futura carreira musical. Atualmente, Urias possui mais de 460.000 mil ouvintes mensais no Spotify e mais de 56 milhões de visualizações no Youtube, plataforma onde começou a carreira lançando covers em 2018, que se popularizaram no meio artístico nacional e internacional.
Em 2019 lançou “Diaba”, sua primeira música autoral que rendeu milhões de visualizações no YouTube e com videoclipe que venceu o prêmio de Melhor Direção de Arte no Berlin Music Video Awards (BMVA). A música faz parte do primeiro EP de sua carreira. Em 2021 lançou o segundo EP, “FÚRIA PT1”. O projeto, com 5 músicas e 3 clipes cheios de conceito e estilo, apresentou a primeira parte do álbum homônimo. Em 2022, Urias lançou oficialmente o disco FÚRIA, com mais 8 faixas inéditas, atingindo o primeiro lugar na parada de álbuns do iTunes Brasil.
O segundo EP também veio em 2022: “HER MIND, PT.1”, trabalho no qual a cantora mistura o inglês, espanhol, francês e português. O projeto fez tanto sucesso que no final do ano a segunda parte já foi liberada. Os EPs levam esse nome por retratarem a experiência de vida de Urias e contam com músicas que falam sobre o seu corpo e sua mente, sempre com um turbilhão de pensamentos que influenciam os diferentes estilos apresentados no trabalho. As faixas falam sobre descoberta, auto-reflexão e visão interna para o mundo em um estilo eletrônico.
Em sua mais recente fase musical, a artista compartilhou o desejo de naturalizar corpos como o seu também de forma biológica. Os concertos, repletos de cenografia e dança, também acompanham o conceito. No repertório, não podem faltar os maiores sucessos de sua carreira e faixas como “Blossom”, “Rolling”, “Diaba”, “Peligrosa”, “Foi Mal”, “Cuntelectual”, “So Dumb” e “Neo Thang”.
A “HER MIND TOUR” agitou casas de shows e grandes festivais brasileiros, como o The Town e Primavera Sound. A cantora se despediu da era “HER MIND” no dia 11 de outubro, durante o último show da turnê de seu segundo álbum, no palco da Audio, em São Paulo, com a participação de Pabllo Vittar, Eboni, Jup do Bairro e Hodari. No segundo semestre, Urias vai apresentar a sua nova fase, já em construção.
CARRANCA – Urias
Lançamento dia 07/10
Pré-save álbum: CARRANCA